Venho falar-vos de um problema comum a toda a gente que geralmente acorda, respira e tem de prosseguir com o dia. Há dias recebi um daqueles tradicionais emails da NOS a dizer que o filme “Hotel Amor”, do realizador brasileiro Hermano Moreira e produzido pelos portugueses da Promenade (com produção do Justin Amorim), é o “filme português com melhor abertura do ano”. Fez cerca de 3500 espectadores em sala. A fasquia está baixa. A estratégia comunicacional do cinema português onde se inclui exibidores, produtores e distribuidores, como bem apontado pelo crítico José Viera Mendes num artigo que vale a pena ler no jornal Público, continua a falhar, salvo raras excepções, como, goste-se ou não do filme, o que está a acontecer com “Hotel Amor”. Ou, vá, a não existir num sentido que ajude a catapultar a sétima arte nacional. Não é possível alguém no seu perfeito juízo congratular-se por um filme fazer 3500 espectadores num país que tem mais de 500 salas de cinema. Pode-se argumentar que, entre uma possível guerra nuclear no Médio Oriente e um julgamento mediático de fazer chorar em Portugal entre Joana Marques e os Anjos, há pouco tempo para acompanhar tudo o resto. Compreendo. Mas então temos de repensar não só os hábitos de consumo como a forma como fazemos chegar os filmes às pessoas.
Gostava de já ter visto “Hotel Amor”, tal como tantos outros títulos portugueses que vão estreando por aí, dentro e fora de portas, mas não consigo. Também já queria ter visto o “Riso e a Faca”, de Pedro Pinho, premiado no festival de Cannes. Hoje é dia 23 de junho de 2025 e já estrearam 27 filmes nacionais. 27. O filme que está no top de audiências é o “On Falling”, da Laura Carreira, que andou a rodar meio mundo em 2024 e que só chegou a Portugal a 27 de março (fez quase 13 mil espectadores). Podemos voltar a tentar adivinhar quais os motivos para o público português continuar afastado do seu cinema, mas não vale a pena. São precisas soluções quase imediatas. Apresento algumas:
Fazer uma anteestreia nacional mais próxima da premiação internacional de cada filme. Organizar sessões especiais com conversas, instituir uma comunicação digital directa e clara, dentro das várias redes sociais. Levar os autores de determinado filme a podcasts e a outros formatos não tradicionais (fora os “clientes” de media mais tradicionais).
Não estrear tantos filmes.
Criar uma agência que, ao contrário das outras, não pense só na carreira internacional dos filmes mas sim numa rede de estreias a nível nacional que trabalhe o público.
Fazer pressão aos privados para que entrem no “negócio” do cinema sob as mais variadas formas.
Explicar devagarinho, com recurso a power points e tudo, de como a cultura, uma área tão abrangente como qualquer outra, pode ser benéfica para qualquer televisão ou jornal. Basta pensar em quantas pessoas usam streaming versus quantas pessoas ainda vêem televisão em Portugal. É melhor olharem todos para isto com muita atenção: https://www.nielsen.com/news-center/2025/streaming-reaches-historic-tv-milestone-eclipses-combined-broadcast-and-cable-viewing-for-first-time/
Podia ficar aqui horas a falar disto. Ou de como de repente já ninguém fala do caso do Ico Costa porque passamos para uma carta aberta que critica a exclusão de “mulheres invisibilizadas” em telefilmes da RTP. Podia, de facto, ficar. E vou ficar. Sabem porquê? Porque este é mesmo o tempo de fazer barulho. E só fazendo barulho é que conseguimos captar público. Estou um pouco a emendar a mão, porque acreditava que todo o protesto ligado a causas fraturantes (que, na verdade, deveriam ser de todos) deveria vir junto com propostas concretas, mas o cinema não tem de ser concreto. Tem de colocar o dedo na ferida, abrir portas e mostrar, sem espinhas. Provocar, provocar, provocar. Ser abstracto, não definitivo. Mas que seja honesto e não à procura de ficar bem na fotografia. Ainda há dias estive de volta ao Fest, em Espinho, para moderar uma conversa com o realizador mítico filipino Brillante Mendonza e fazer um episódio do meu podcast “Só Uma Nota” (sairá em breve) com vários convidados nacionais e internacionais, e percebi que o cinema tem de ser um veículo de atuação. Não, não sou o maior fã de cinema propagandístico ou cinema moralmente vincado, mas reconheço que não há outra forma de mostrar a realidade sem falar dela sobre um determinado ponto de vista. Pode ser humorístico, sério, romântico, o que seja. Se, por cima dessa camada, o filme for criativamente superior, ainda melhor.
Foi o que aconteceu com “No Other Land” (disponível na Filmin) o ano passado, documentário que demonstra de forma crua o que se está a passar numa parte da Palestina. E foi o que aconteceu com o filme da Balolas Carvalho e da Tanya Marar, “Fragmented” (com selo da Omaja), que passou pelo Grande Prémio Nacional. A Balolas cruzou-se comigo no jornal i. Não a via há anos. Fiquei contente por ter encontrado num cinema um veículo para falar daquilo que a preocupa. Se o filme é um princípio de algo ainda por construir com ainda muitos vícios de reportagem? É. Se já vimos entrevistas de palestinianos a falar sobre os horrores do genocídio? Sim. Mas não há exemplos a mais. Foi o que aconteceu também no trabalho que fiquei a conhecer da Helena Canhoto, recém chegada coordenadora de intimidade, que, a par de outras instituições com a Mutim (que acabam de lançar um manual de Boas Práticas), quer mudar a nossa pequena indústria para melhor. Actuação, actuação, actuação. O que é preciso é forçar que essas produções existam — e que não sejam as únicas a ser apoiadas só para que as instituições fiquem bem no papel — e forçar um diálogo contínuo quando rolam os créditos, onde estejam pessoas como a Helena a liderar. E, no fim, vemos filmes e esperamos por um mundo melhor. Bem sei que não há tempo, mas enquanto espectador e crítico, sinto que é preciso fazer escolhas. Estar de um lado não me retira qualquer poder para criticar ou apontar outros caminhos. E vou discordar muitas vezes de cineastas que querem um cinema mais reivindicativo. Mas tenho de estar do lado deles.
O que ver?
Blossoms Shangai, Wong Kar Wai (Filmin). Histórico cineasta volta-se para a televisão e dá-nos 20 horas dos anos 90 da cidade chinesa. Quem é que quer perder isto?
O que estar atento?
Estreia do novo filme de Kléber Mendonça Filho, “O Agente Secreto”, que vai estrear em Lisboa e Porto, através da Nitrato Filmes, no final de julho.
Notícia da semana?
“Parasitas”, de Bong Joon-ho, é o filme do século para os mais famosos de Hollywood, segundo o New York Times.
Vídeo da semana?
A história por detrás do filme “Jaws”, de Steven Spielberg. Faz 50 anos este ano e vai voltar todo restauradinho. E, segundo consta, também estreará em Portugal pelo verão.
Cartaz da semana?
Desafio simples: coloco aqui um cartaz e vocês têm de perceber sobre o que é. E não, esta semana não é algo só em Lisboa…